Mariana Monte Alegre de Paiva
Pedro Javier Martins Uzeda Leon
Sócia e associado de Pinheiro Neto Advogados
Pouco mais de um mês após a apresentação do Projeto de Lei Complementar n° 68/2024, tivemos no dia 05.06.2024 o envio ao Congresso Nacional do segundo Projeto de Lei Complementar (“PLP 108/2024”) pelo Governo Federal visando regulamentar parte da Emenda Constitucional nº 132/2023 que instituiu a Reforma Tributária do Consumo.
Importante destacar que referido PLP 108/2024 teve uma versão preliminar divulgada na mídia que gerou certa agitação no setor de Previdência Complementar, pois continha previsão expressa quanto à cobrança de ITCMD em planos de previdência complementar, determinando a incidência do imposto sobre “aportes financeiros capitalizados sob a forma de planos de previdência privada ou qualquer outra forma ou denominação de aplicação financeira ou investimento”.
Felizmente, a versão oficial do PLP 108/2024 encaminhada ao Congresso Nacional não contém previsão expressa quanto a incidência de ITCMD sobre previdência complementar, nem aberta nem fechada, mas (i) não traz hipótese clara e expressamente afastando a incidência, o que garantiria maior segurança jurídica, e (ii) estabeleceu uma hipótese de isenção de ITCMD sobre “contratos de risco”.
A esse respeito, note-se que o artigo 164 do PLP, em seu parágrafo único, define contrato de risco como aquele que possui caráter aleatório em que não é possível assegurar (i) retorno proporcional aos montantes pagos (ou sequer algum retorno) pelo beneficiário; e (ii) que os valores vertidos pela entidade serão suficientes para fazer frente à contraprestação que lhe caberá.
Tal redação, a nosso ver, poderia ser aprimorada para deixar claro que nenhum plano de previdência se enquadra nesse conceito de contrato de risco. Embora esse conceito a princípio inclua seguros em geral, será que realmente abarcaria todos os tipos de produtos e suas particularidades e todos os planos de previdência complementar? Esse questionamento é relevante especialmente porque hoje temos uma polêmica discussão quanto à incidência de ITCMD no segmento da previdência aberta.
Alguns Estados estabelecem, em suas legislações internas, a incidência sobre planos de previdência aberta, o que resultou em um relevante volume de disputas judiciais sobre essa temática. Há diversas decisões judiciais favoráveis afastando esse imposto, em especial nos casos envolvendo planos do tipo VGBL.
Isso se deve em função da diferença que vem sendo considerada pela jurisprudência para os tipos de planos de previdência privada aberta: o VGBL em geral teria natureza de um seguro de vida (o qual o Código Civil afasta da herança, conforme o artigo 794[1]), enquanto o PGBL em regra teria natureza de investimento financeiro de longo prazo.
A jurisprudência oscilou bastante ao longo dos últimos anos e atualmente aguarda-se julgamento do STF em sede de Repercussão Geral (Tema n° 1.214). O Relator do Leading Case é o Ministro Dias Toffoli e ainda não há expectativa de quando o STF julgará a matéria.
Diante do exposto, esperamos que, durante a tramitação no Congresso Nacional, o texto proposto do PLP 108/2024 seja alterado para encerrar de forma clara e evidente a discussão quanto à cobrança de ITCMD sobre a previdência complementar aberta, evitando uma norma com conceito genérico cuja interpretação possa ser disputada caso a caso, conforme as características de cada contrato de previdência, o que certamente prejudicaria a necessária segurança jurídica que o mercado tanto demanda.
[1]Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
Em 12.06.2024