Por Marco Pontes
Os investimentos realizados pelas grandes corporações e instituições em qualquer área da atividade econômica são motivados basicamente por dois vetores: a iniciativa própria face à crescente complexidade do mundo dos negócios ou à força de mudanças no ambiente regulatório. Nos últimos anos, testemunhamos mais um tema destacado na pauta dos gestores, que é a necessidade das organizações administrarem e controlarem as exposições aos riscos que afetam diretamente suas atividades. A gestão baseada em riscos teve como berço a indústria bancária por meio de Basiléia II e, posteriormente a indústria de seguros por meio da introdução de Solvência II.
Ambos movimentos destacados acima fazem parte de uma convergência global que o Brasil aderiu, tal qual feito com a adoção do SOX 404 e o IFRS no passado. Esse processo de inserção do Brasil trouxe diversos desafios para as indústrias retromencionadas. A indústria de fundos de pensão, especialmente pela importância que possui, não ficou nem ficará imune a esses processos e precisará inovar. Neste sentido é imperativo que seus gestores estejam comprometidos e em perfeita sintonia com a dinâmica do mundo corporativo atual.
O processo de globalização é uma realidade e tem promovido o questionamento de paradigmas com rapidez meteórica. Não há dúvidas que neste contexto as principais locomotivas para que as mudanças ocorram são os órgãos de supervisão. Neste contexto, é inegável o esforço feito pela CVM, BACEN e SUSEP nos últimos anos no sentido de regular o mercado com a finalidade de proporcionar maior transparência, governança corporativa e segurança.
O atual cenário da indústria de fundos de pensão no Brasil traz preocupações constantes para os principais atores do sistema. As patrocinadoras de planos de aposentadoria não querem ser surpreendidas com a necessidade de contribuições extraordinárias, sejam elas decorrentes de expansão imprevista da longevidade dos aposentados, sejam decorrentes de rentabilidade insuficiente dos instrumentos financeiros ou de volatilidade de seus preços. Os membros e ex-membros de órgãos colegiados e da diretoria executiva das entidades querem evitar acusações e responsabilizações futuras de cumprimento inadequado de seus mandatos representativos e executivos, ainda mais em vista de que sua exposição a tais riscos ser de natureza de longo prazo e pode vir a se manifestar somente muitos anos depois do exercício efetivo de seus mandatos. Os participantes assistidos que já recebem rendas vitalícias se mostrarão muito resistentes em aceitar reduções de benefícios, se futuros déficits surgirem e se eles forem convocados a contribuir para saná-los e os participantes ativos que acumulam saldos de conta em planos de contribuição definida poderão se mostrar muito insatisfeitos se a valorização de suas quotas for baixa no longo prazo ou se os montantes acumulados forem incompatíveis com suas expectativas quando entrar em aposentadoria.
Por outro lado, acompanhamos a preocupação da PREVIC com as constantes mudanças no cenário macroeconômico e demográfico que concorrem para uma maior complexidade da supervisão do setor. Entre tais preocupações, destacamos: o volume e pressão por diversificação do patrimônio social das entidades, o retorno cadente de títulos públicos federais, a volatilidade de preços de instrumentos financeiros no contexto de frequentes crises sistêmicas e a transição demográfica e envelhecimento das populações de participantes ativos e assistidos, as preocupações com custos e encargos regulatórios para o setor.
Acrescenta-se a isso, observamos que apesar das diferenças acentuadas entre indústrias bancária e seguradora, a PREVIC sente necessidade de acompanhar tais mudanças.
Muito ouvimos falar nos últimos anos em supervisão baseada em riscos, tal qual foi preconizado na Comunidade Europeia, berço dos três principais movimentos de convergência global que o Brasil adotou nos últimos anos. Adotar a gestão baseada em riscos na indústria de fundos de pensão parece cada vez mais uma realidade.
Entre os principais riscos quantificáveis que podem afetar o desempenho de uma entidade de previdência, destacamos os seguintes riscos:
Risco de mercado: O risco de mercado pode ser definido como o risco de perdas no valor do portfólio decorrentes de flutuações nos preços e taxas de mercado. Os retornos esperados de um investimento podem variar em decorrência de diversos fatores de mercado, cada qual com um risco específico: taxas de juros, taxas de câmbio, preços de commodities e preços de ações. Em vista do volume significativo de operações realizadas no cotidiano, a exposição da carteira do fundo de pensões ao risco de mercado é medida pelo impacto da alteração do cenário atual ao nível das variáveis financeiras que descrevemos acima e que trataremos mais especificamente, adiante. A avaliação deste risco consiste na simulação de choques de mercado consistentes com a abordagem de VaR a 99,5% (nível do intervalo de confiança previsto na diretiva de Solvência II para fundos de pensão na Comunidade Europeia).
Risco de taxa de juro: O risco de taxa de juro definido como o risco de perda no valor econômico da carteira de ativos e/ou aumento das responsabilidades do fundo de pensões, decorrente dos efeitos de mudanças adversas nas taxas de juro, encontra-se patente em todos os ativos e responsabilidades, cujo valor seja sensível a variações na estrutura temporal de taxas de juro (ETTJ) ou à volatilidade das taxas de juro. A estrutura temporal de taxas de juro corresponde a um conjunto de taxas de juro em vigor para investimentos de diferentes maturidades (e sem cash flows intermédios), pertencentes à mesma classe de risco, numa dada economia. A ETTJ pode ser descrita de três formas equivalentes: via taxas spot, via taxas forward ou via fatores de desconto, mas nunca via yields to maturity. O risco de taxa de juro afeta, direta ou indiretamente, todos os instrumentos de dívida da carteira de ativos e o valor das responsabilidades do fundo de pensões. O valor de mercado de um instrumento de dívida é função das características técnicas desse produto e essencialmente da ETTJ e do risco de crédito desse instrumento. O risco de taxa de juro no ativo encontra-se, geralmente, associado à subida das taxas de atualização, que provocam a redução do valor atual dos fluxos financeiros futuros proporcionados por estes instrumentos, diminuindo, consequentemente, o seu valor de mercado. Já, o risco de taxa de juro no passivo está associado à descida das taxas de atualização que originam o acréscimo do valor atual das responsabilidades do fundo de pensões.
Risco de preço em ações: O risco acionista encontra-se relacionado com a volatilidade dos preços de mercado das ações e pode dividir-se em risco sistemático e risco não sistemático. Esse risco está associado a uma diversificação inadequada da carteira, sendo, portanto, a sua avaliação considerada dentro do risco de concentração. Por sua vez, o risco sistemático ou não diversificável refere-se à sensibilidade da taxa de rentabilidade das ações face à taxa de rentabilidade do mercado, não podendo ser reduzido por meio da diversificação da carteira de ativos.
Risco cambial: Quando a carteira de ativos de um fundo de pensão é composta por ativos expressos em moeda estrangeira, o fundo incorre no risco cambial, na medida em que existe a possibilidade do recurso em que se encontram expressos aqueles ativos alterar o seu valor em relação ao valor da moeda nacional, ou seja, a alteração das taxas de câmbio.
Risco de concentração: Numa carteira de ativos o efeito de concentração do investimento traduz-se num risco adicional, na medida em que a volatilidade de um portfólio de ativos concentrado é muito maior e, por outro lado, o potencial risco de perdas totais ou parciais devido ao não cumprimento de uma dada contraparte aumenta substancialmente.
Risco de liquidez: Em fundos de pensão podemos defini-lo como o risco de perdas por realizar posições de longo prazo antes do programado para quitar despesas correntes. Não ter liquidez suficiente é uma ameaça à operação normal dos negócios. O risco de liquidez tende a potencializar outros tipos de risco, como os de crédito e de mercado, mas o inverso também pode ocorrer (o risco de crédito, por exemplo, pode gerar problemas de caixa). A manutenção de ativos ilíquidos no portfólio é função da sua rentabilidade esperada no longo prazo. Porém, para os propósitos de alocação de ativos, é crítico que as classes de ativos não líquidos sejam comparáveis às de ativos líquidos. Em fundos de pensão, deve-se monitorar a liquidez potencial por meio do controle dos fluxos de pagamentos específicos, privilegiando-se as aplicações mais líquidas em uma proporção tanto maior quanto mais próximos forem os vencimentos das obrigações. Além do acompanhamento dos fluxos de caixa, é importante recorrer à diversificação, que pode ser usada para gerenciar os dois tipos de riscos de liquidez citados anteriormente. O Asset Liability Management (ALM) é uma ferramenta fundamental para monitorar com eficiência o risco de liquidez.
Risco Operacional: São perdas por falhas humanas, processos inadequados ou exposições legais. O Comitê de Basiléia excluiu da definição o risco de reputação e o risco estratégico que são tratados no pilar II de Solvência II. O risco operacional está associado à operação do negócio e pode ser subdividido em três tipos: risco de pessoas (incompetência e fraude); risco de processos (organização ineficiente, fluxo de informações e de processos deficiente, responsabilidades mal definidas, gerando sobreposição ou perda de comando, má utilização de modelos financeiros, execução errada de ordens e não cumprimento de limites de operação); e risco de tecnologia (processamento de dados sujeitos a erros e falhas de equipamentos).
Risco de Crédito ou de Contrapartes: O risco de crédito refere-se ao risco de que uma mudança na qualidade do crédito (por piora ou por default, no caso extremo em que as obrigações contratuais não sejam honradas) de uma contraparte e venha reduzir o valor do portfólio. É fundamental utilizar testes de estresse para identificar os cenários que poderiam causar uma perda significativa e estipular um limite em tais exposições ao risco. É possível medir e prever esse risco por meio de três modelos. Classificação de risco em que se quantifica o risco por meio da atribuição de uma probabilidade do devedor ou de uma operação específica não der o retorno esperado. Por meio de processos estocásticos em que se modela o comportamento de variáveis relacionadas ao default de forma multitemporal e precificam os instrumentos financeiros de crédito ou sujeitos ao risco de crédito (títulos e derivativos de crédito) e/ou por meio de riscos de portfólio, em que a modelagem é realizada por meio da distribuição de perdas na carteira e se busca avaliar os benefícios que a diversificação introduz no risco do portfólio. Em particular, os modelos de credit rating representam uma subdivisão dos modelos de classificação de risco e são aplicados para a classificação de empresas e/ou títulos em categorias de risco, normalmente integrando critérios quantitativos e qualitativos.
Risco biométrico e de longevidade: Ambos os riscos estão relacionados com o fator tempo, isto é, com a incerteza do momento de aposentadoria e de falecimento de um participante e/ou beneficiário, da duração ou existência do benefício de pensão para algum familiar, e com o fato do indivíduo invalidar ou deixar de estar abrangido pelo plano. Além das variáveis financeiras, como a taxa de juro, anteriormente destacado, as probabilidades de vida/morte determinam o valor atual das responsabilidades de um fundo de pensões, uma vez que uma alteração na mortalidade ou aumento da longevidade poderá afetar significativamente este valor.
Além dos riscos acima mencionados, ainda podemos destacar o risco de despesas administrativas inesperadas, o risco de portabilidade entre Entidade e o risco de catástrofes no ambiente físico da Patrocinadora afetar o desempenho de uma Entidade.
Como podemos observar a adoção da gestão baseada em riscos representa um grande desafio para os gestores de Entidades Fechadas de Previdência Complementar no Brasil e para a PREVIC. Neste sentido a experiência internacional é um caminho a ser perseguido.
Fonte: Artigo publicado originalmente na revista Opinião.Seg nº 10, Maio de 2015, página 31.