Por Thiago Junqueira [1]
Nas últimas semanas, foram divulgados alguns rankings jurídicos internacionais, como o Chambers and Partners, e ocorreu a cerimônia de premiação do The Legal 500, em São Paulo. Anualmente, esses diretórios estrangeiros, juntamente com o Leaders League, o Lexology Index (antigo Who’s Who Legal), e Análise Advocacia, no Brasil, reconhecem os escritórios e/ou advogados que se destacaram em suas áreas. Em geral, esses rankings refletem profissionais envolvidos nas mais relevantes operações, consultas e disputas, que se sobressaíram segundo a avaliação de clientes e pares.
Mas o que leva um advogado a ser reconhecido nesse nível?[2] O que os profissionais da nova geração devem observar para chegar lá? Como um advogado pode se tornar melhor e mais completo?
No artigo de hoje, a abordagem transcenderá o Direito dos Seguros – objeto desta coluna mensal na Roncarati. Busca-se, sem intenção de esgotar o tema, compartilhar algumas reflexões pessoais sobre o que faz um advogado se tornar um profissional de elite.
Desenvolvimento progressivo de habilidades multifacetadas
Ser um advogado excepcional requer um conjunto de habilidades técnicas, estratégicas e interpessoais que diferenciem aqueles que realmente impactam seus clientes, suas equipes e o mercado. Embora o ideal seja desenvolver todas essas competências, a realidade é que cada fase da carreira demanda mais um determinado foco, e é possível atingir um alto nível de sucesso sem necessariamente possuir o “pacote completo”.
O crescimento é gradativo, e ninguém se torna um advogado de elite da noite para o dia. Quanto antes o profissional adotar essa perspectiva holística, mais preparado estará para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que surgirem.
Mais do que técnica: repertório e capacidade de expressão
Um advogado fora da curva precisa de repertório.[3] Não basta ter conhecimento técnico refinado ou prestígio junto a membros do Poder Judiciário; o diferencial está na capacidade de conectar pontos e gerar insights valiosos para a tomada de decisão, seja do cliente, do magistrado ou do árbitro.
Especialmente no âmbito da consultoria, é vital compreender o negócio do cliente e oferecer soluções pragmáticas, sem se limitar a uma postura excessivamente neutra ou a respostas evasivas. O estudo aprofundado da literatura especializada, aliado à leitura de obras clássicas,[4] é um passo importante, mas não suficiente.
Um repertório sólido vai além das leis e abrange economia, história, negócios e ciências sociais, permitindo a formulação de argumentos mais sofisticados e multidisciplinares. A inteligência no Direito pode ser resumida na seguinte equação: Inteligência = Memória + Conexões + Expressão.
Isso implica não apenas dominar o Direito, mas também comunicar-se com clareza e persuasão na argumentação escrita e oral.[5] Traduzir conceitos complexos em uma linguagem acessível para o cliente e o magistrado é um diferencial valioso. Da mesma forma, adotar uma escrita assertiva e uma comunicação objetiva, eliminando rodeios e palavras desnecessárias, torna a argumentação mais eficaz.
O acerto no tom da comunicação não só facilita o entendimento, como também fortalece a confiança e transmite segurança – elementos essenciais para alcançar bons resultados.
Capacidade de resolver problemas
A teoria e a boa comunicação só se tornam valiosas quando aplicadas à solução de problemas reais. O advogado excepcional é aquele que enxerga além dos problemas apresentados pelos clientes, propondo soluções criativas e eficientes. Isso exige pensamento estratégico, ação decisiva e um entendimento apurado do contexto de cada caso.
No topo estão os advogados que solucionam os problemas mais complexos. Essa é uma lição fundamental para os profissionais em ascensão, que devem compreender que as competências que os trouxeram até onde estão podem não ser suficientes para levá-los a novos patamares. Quanto mais complexa a questão, maior o percurso trilhado pelo profissional e o valor que ele agrega.
Não basta acumular repertório; é preciso colocá-lo em prática. Com o perdão da linguagem informal, “pegar o touro pelos chifres” e resolver! O desafio é constante e cada profissional evolui em seu próprio ritmo, sendo desaconselhável pular etapas.
Criar valor para clientes: advogar é mais do que prestar um serviço
O advogado excepcional não apenas resolve problemas; ele antecipa necessidades, oferece soluções proativas, entrega mais do que o esperado e contribui estrategicamente para o sucesso do cliente. Algumas vezes, isso significa dizer, de forma cordial, o que o cliente não quer, mas precisa ouvir – como recomendar um acordo para evitar um precedente judicial que possa impactar negativamente o mercado.
Essa abordagem fortalece relações de longo prazo e consolida a reputação do profissional. Mais do que um prestador de serviços jurídicos, ele se torna um conselheiro estratégico, conectando pessoas, oportunidades e negócios.
Ao atuar em diferentes setores e com múltiplos clientes, o advogado desenvolve uma visão privilegiada. Isso lhe permite antever riscos e identificar oportunidades que poderiam passar despercebidas. Esse olhar sagaz transforma sua atuação em um diferencial competitivo.
Para defender seu cliente de forma eficiente, é recomendável dominar tanto os argumentos favoráveis quanto os desfavoráveis, identificando os pontos que poderão ser utilizados pela contraparte. Muitas vezes, será necessário antecipar os fundamentos do adversário e refutá-los, por exemplo, demonstrando que o caso concreto não se assemelha a um precedente judicial sobre a matéria – estratégia processual conhecida como distinguishing.
Atenção aos detalhes
A importância dos detalhes não pode ser negligenciada. Um advogado excepcional redige contratos, peças processuais e pareceres de forma impecável, garantindo que não escapem aspectos fáticos relevantes[6] e que não haja ambiguidades ou omissões que possam ser usadas contra seu cliente. Um texto claro e bem estruturado poupa tempo e evita interpretações desfavoráveis no futuro.
Aqui, uma dica de ouro é refletir enquanto se redige: se o juiz (ou qualquer intérprete) estiver lendo este trecho, ele compreenderá exatamente o que estou querendo dizer ou haverá margem para outras interpretações?
Detalhes visuais também fazem parte do posicionamento do advogado. Desde a identidade visual do escritório até a forma como seus materiais são apresentados, tudo influencia a percepção do magistrado e, numa visão mais ampla, do mercado.
Liderança e desenvolvimento de equipe
Nenhum advogado cresce sozinho. A capacidade de liderar, inspirar e desenvolver uma equipe é fundamental para quem deseja evoluir na carreira. Um profissional excepcional delega tarefas, compartilha conhecimento, oferece feedback constante (ou, ao menos, periódico) e promove um ambiente de aprendizado, pertencimento e crescimento.
À medida que a carreira avança, a abordagem muda. Enquanto advogados juniores tocam com partitura e atuam de maneira mais operacional, advogados seniores adotam uma postura mais proativa e estratégica, sendo capazes de improvisar e encontrar soluções inovadoras para desafios inesperados. Um advogado diferenciado controla o próprio ego,[7] extrai o melhor de cada membro da equipe, respeitando seu estágio de desenvolvimento, e contribui ativamente para a formação de novos talentos.
Domínio da negociação e captação de clientes
A advocacia também demanda habilidades comerciais. Saber negociar vai além da argumentação jurídica: é necessário escolher estrategicamente as batalhas, compreender os interesses das partes e construir soluções vantajosas para todos os envolvidos. Além disso, a captação de clientes representa um desafio constante, e um advogado excepcional sabe como – e se esforça para – se posicionar no mercado e criar conexões estratégicas para expandir sua atuação.
A relevância dessas habilidades varia conforme o estágio da carreira e o ambiente profissional. Em algumas posições dentro de escritórios consolidados, a captação pode não ser um elemento importante, sendo o foco do advogado a execução técnica de alto nível. No entanto, para muitos advogados, a independência financeira está, direta ou indiretamente, ligada à capacidade de atrair novos clientes ou ampliar as demandas daqueles já atendidos.
Tecnologia como aliada
A tecnologia vem transformando a advocacia, e aqueles que souberem utilizá-la a seu favor terão uma vantagem competitiva. Ferramentas de automação, análise de dados e inteligência artificial (IA) já fazem parte do cotidiano jurídico, tornando os procedimentos mais ágeis, o reporte de informações para os clientes mais detalhado e o controle de prazos mais eficiente.
O advogado fora da curva mantém-se atualizado e sabe incorporar essas inovações de maneira inteligente e segura. Mais do que simplesmente utilizar ferramentas como o ChatGPT, ele precisa formular as perguntas certas e ter repertório suficiente para interpretar criticamente as respostas geradas pela IA generativa. Esse discernimento é um diferencial competitivo relevante, especialmente para os advogados mais jovens, que devem exercer um cuidado redobrado na análise crítica dos outputs da referida tecnologia.
Se é verdade que a máquina não substituirá o advogado, também é certo que, nos próximos anos, aqueles que souberem integrá-la à sua prática conquistarão espaço em relação aos que resistirem à inovação. Em poucas décadas, essa diferença pode se tornar definitiva.
Humildade e estudo contínuo: “I’m not young enough to know everything”! [8]
A sarcástica frase acima, atribuída a Oscar Wilde, deve ser lida em conjunto com outro ensinamento do escritor: “Wisdom comes with winters”.[9] O aprendizado do advogado nunca termina. O verdadeiro diferencial está na busca contínua pelo aperfeiçoamento, no reconhecimento das suas falhas e espaços de crescimento, bem como na exposição a desafios cada vez maiores.
Nessa jornada, é fundamental manter a curiosidade, a fome por conquistas e a disposição de um principiante, bem como cultivar a ética e a humildade dos verdadeiramente gigantes.
O mito do equilíbrio perfeito. Ou: esqueça a banheira de gelo
Como o leitor provavelmente já sabe, a excelência profissional exige dedicação. Grandes advogados chegaram ao topo porque estudaram e trabalharam intensamente – desenvolvendo tanto soft skills quanto hard skills. Não há atalho.
Isso, no entanto, não significa abrir mão da saúde, da família ou de momentos de descanso. Mas a ideia de um equilíbrio perfeito desde o início da carreira é um mito. A advocacia exige inteligência emocional para lidar com o ambiente corporativo e com a intensidade da profissão, já que períodos de alta demanda são inevitáveis.
O advogado excepcional compreende essa realidade e desenvolve a capacidade de gerenciar suas emoções e prioridades, estabelecer limites e buscar um crescimento sustentável. O objetivo não é um equilíbrio rígido, mas um ritmo que permita evoluir sem comprometer o bem-estar. Uma boa dica nesse campo é a prática de atividades físicas, que auxiliam na redução do estresse e no próprio aumento da performance profissional.[10]
Conclusão
No universo do jiu-jitsu, há um diálogo marcante:
— Quanto tempo leva para uma pessoa normal alcançar a faixa preta?
— Uma pessoa normal não alcança a faixa preta.
Tornar-se um advogado fora da curva não tem fórmula pronta nem prazo definido. Seja atuando em uma grande firma, em um escritório boutique, em empresas ou gerindo sua própria banca, é possível chegar lá. Cada caminho tem seus desafios e vantagens, e cabe a cada advogado fazer uma reflexão sincera sobre o que realmente deseja para sua vida. Não há nada de errado em optar por um caminho mais equilibrado e aproveitar a vida de outra forma.
Para aqueles que almejam estar entre os advogados mais bem-sucedidos, o comprometimento é essencial. Além do conhecimento técnico, o diferencial está na capacidade de solucionar problemas complexos, trabalhar em equipe, agregar valor aos clientes e se adaptar às transformações do mercado. Dominar as emoções,[11] ter atenção aos detalhes, desenvolver liderança, negociar estrategicamente e utilizar a tecnologia com inteligência são habilidades que potencializam a atuação profissional.
Tendo convivido com alguns dos advogados mais renomados do país e ciente de que ainda estou nos primeiros passos da jornada, posso afirmar: a advocacia exige disciplina, dedicação e humildade para um aprendizado constante.
O sucesso pertence àqueles que encaram os erros como lições, evoluem com consistência e enfrentam os desafios de forma ética e resolutiva. A trajetória pode ser demandante, mas, para quem persiste, as recompensas vão além do reconhecimento profissional.
[1] Thiago Junqueira é Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Universidade de Coimbra. Sócio-fundador do escritório Junqueira & Gelbecke Advogados, é Professor de Direito do Seguro e Resseguro na FGV e Professor convidado da FGV Conhecimento e da Escola de Negócios e Seguros. Atualmente, exerce as funções de Diretor da AIDA Brasil e de Diretor de Relações Internacionais da Academia Brasileira de Direito Civil. Contato:
[2] Por uma questão de estilo e fluidez, este artigo emprega o termo “advogado” de forma genérica, sem distinção de gênero. As reflexões aqui compartilhadas aplicam-se a advogados e advogadas. Reconhece-se, contudo, que os desafios e barreiras na construção da carreira podem variar, influenciados por diferentes realidades profissionais e contextos familiares.
[3] A carreira acadêmica, quando conciliada com a advocacia, é uma excelente forma de ampliar o repertório. Os cursos de mestrado e doutorado, especialmente quando resultam na publicação de trabalhos de conclusão em formato de livro e alinhados à área de atuação do profissional, contribuem significativamente para sua projeção. Além disso, a docência exige pesquisa e atualização contínuas, estruturação do pensamento e aprimoramento na transmissão do conhecimento, tornando-se, assim, uma experiência igualmente enriquecedora para o desenvolvimento do advogado.
[4] Um excelente ponto de partida sobre obras clássicas é NEVES, José Roberto de Castro. Caixa de palavras: por que você deve ler (e o que ler). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2023. Na verdade, toda a coleção do autor é leitura indispensável para advogados, especialmente as obras Como os Advogados salvaram o mundo, Medida por medida – O Direito em Shakespeare, O Espelho Infiel e Direito e Literatura – O que os Advogados e os Juízes fazem com as palavras. Atualmente, além dos livros, outros meios, como podcasts e vídeos, tornaram-se fontes ricas de conhecimento. Um notável exemplo é a entrevista de Chico Müssnich sobre sua obra Cartas a um jovem advogado, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zsNFwpeexQQ. Acesso em: 24.02.2025.
[5] Conforme advertência de Sérgio Bermudes: “O advogado precisa ser claro e não pode ter medo de ser claro. Esse é um dos conselhos que eu dou. Eça de Queiroz já disse que a preocupação com o estilo leva à confusão. Por exemplo, por que evitar a repetição de palavras quando repetição transmite melhor certa ideia? Isso é muito importante”. CHAER, Márcio; CANÁRIO, Pedro. Entrevista: Sérgio Bermudes, advogado (parte 1). Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-29/entrevista-sergio-bermudes-advogado-parte-2/. Acesso em: 24.02.2025.
[6] Sobre a necessidade de que até mesmo advogados mais experientes dominem os aspectos fáticos de cada caso, confira interessante relato em RIBEIRO, Luis Celso Cecilio Leite. Celso, o Advogado. Entrega e curiosidade de iniciante em um líder que transborda experiência. In: Celso Mori: advogado. São Paulo: Amanuense, 2021. pp. 215-216.
[7] “Não importa o quão talentoso você seja, quantas conexões incríveis ou quanto dinheiro tenha. Se quiser fazer alguma coisa (algo grande, importante, significativo), você será submetido a tratamentos que irão da indiferença à franca sabotagem. Pode contar com isso. Nesse cenário, o ego é o oposto absoluto do que você precisa. Quem pode se dar ao luxo de se entregar a impulsos ou de acreditar que é um presente de Deus para a humanidade, ou importante demais para suportar qualquer coisa de que não goste? Aqueles que dominaram seu ego compreendem que não é você que é diminuído quando os outros o tratam mal, e sim eles.” HOLIDAY, Ryan. O ego é seu inimigo. Tradução de Andrea Gottlieb. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017, p. 87.
[8] “Não sou jovem suficiente para saber de tudo”. (Tradução livre).
[9] “A sabedoria vem com invernos”. (Tradução livre). Embora essas duas frases sejam frequentemente atribuídas a Oscar Wilde, há controvérsias sobre sua real autoria. No caso da primeira, por exemplo, alguns estudiosos defendem que teria sido escrita por James Matthew Barrie na peça The Admirable Crichton, apresentada pela primeira vez em 1902 e publicada em 1918. Essa questão, todavia, ultrapassa o escopo deste artigo.
[10] Por exemplo: MARTÍN-RODRÍGUEZ, Alexandra et al. Sporting mind: the interplay of physical activity and psychological health. Sports, v. 12, n. 1, pp. 37 e ss, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.3390/sports12010037. Acesso em: 23.02.2025.
[11] “Para aprender o jogo do poder é preciso ver o mundo de uma certa maneira, mudar de perspectiva. (...). Reagir emocionalmente a uma situação é a maior barreira ao poder, um erro que custará a você muito mais do que qualquer satisfação temporária que possa obter expressando o que sente. As emoções embotam a razão, e se você não consegue ver com clareza não pode estar preparado e reagir com um certo controle da situação”. GREENE, Robert. As 48 leis do poder. Tradução de Talita Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 21.
(24.02.2025)