Assim é, se lhe parece: a teoria da aparência nos julgados do STJ
Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a teoria da aparência – que leva ao reconhecimento de efeitos jurídicos em uma situação que apenas parece real – pode ser aplicada em casos muito diversos: de relações de consumo a comunicações processuais, da solidariedade na responsabilidade civil à autorização para o ingresso da polícia em imóveis.
A doutrina conceitua a aparência de direito como "uma situação de fato que manifesta como verdadeira uma situação jurídica não verdadeira, e que, por causa do erro escusável de quem, de boa-fé, tomou o fenômeno real como manifestação de uma situação jurídica verdadeira, cria um direito subjetivo novo, mesmo à custa da própria realidade" (Álvaro Malheiros, citado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca no RMS 57.740).
No julgamento do REsp 1.637.611, a ministra Nancy Andrighi também recorreu à doutrina para explicar que a teoria da aparência se baseia na proteção do terceiro, pois a confiança legítima desse terceiro, agindo de boa-fé, é que faz surgirem consequências jurídicas em situações às vezes inexistentes ou inválidas.
......................
DPVAT
Em outro julgamento de 2016, a Terceira Turma reconheceu como válido o pagamento de indenização do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) aos pais – e não ao filho – da vítima falecida. Apresentando-se como únicos herdeiros, os pais entregaram os documentos exigidos pela Lei 6.194/1974 para receber o pagamento – entre eles, a certidão de óbito, a qual afirmava que o falecido era solteiro e não tinha filhos (REsp 1.601.533).
Para o relator, ministro João Otávio de Noronha, pela aplicação da teoria da aparência, é válido o pagamento realizado de boa-fé a credor putativo, desde que o erro seja escusável, por acreditar a parte estar tratando com quem deveria receber o pagamento em questão.
O mesmo entendimento foi dado pela Terceira Turma em 2017, no julgamento do REsp 1.443.349, quando o colegiado negou provimento ao recurso especial interposto pela filha de um segurado, que pleiteava indenização do DPVAT. A recorrente alegou que foi excluída do pagamento da indenização, feito anteriormente a seus avós paternos, os quais, após a morte do seu pai, solicitaram o benefício sem declarar a existência dela.
Segundo a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, a seguradora agiu em conformidade com a legislação, na medida em que confiou na boa-fé dos avós, que fizeram a devida apresentação de documentos e de declaração assinada por duas testemunhas de que o falecido não tinha filhos, o que deu a aparência de legalidade ao ato.
"Aplica-se à hipótese dos autos a teoria da aparência, cuja manifestação pode ser exemplificada pelo disposto no artigo 309 do Código Civil de 2002, o qual afirma que o pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda que provado depois que não era credor", afirmou.
Cooperativas de saúde
A jurisprudência do STJ considera que as cooperativas integrantes do Complexo Unimed do Brasil, embora sejam independentes entre si, comunicando-se por um regime de intercâmbio – o que permite o atendimento de conveniados de uma unidade específica em outras localidades –, estão interligadas e se apresentam ao consumidor como uma única marca de abrangência nacional, o que faz existir a solidariedade entre elas.
Isso porque o tribunal reconhece que a aparência de integração da rede nacional Unimed, composta de cooperativas identificadas pelo mesmo nome, é um elemento central da decisão de contratação do plano de saúde pelo consumidor.
Aplicando esse entendimento, no julgamento do AREsp 1.545.603, relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma manteve decisão que determinou à Central Nacional Unimed (cooperativa central) a obrigação de pagar o tratamento de um cliente que precisou mudar de plano, mas não encontrou na rede credenciada da nova operadora, destinatária da portabilidade extraordinária, um hospital equivalente àquele no qual vinha fazendo o tratamento de doença grave.
Em outro caso envolvendo o mesmo sistema de cooperativas (REsp 1.665.698), a Terceira Turma negou provimento a recurso em que a Unimed Fortaleza alegava ser parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação movida por cliente de plano de saúde da Unimed Belém. Mesmo com plano de cobertura nacional, a consumidora teve pedido de exame negado em Fortaleza.
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que, na publicidade feita pela Unimed em seu site, é transmitida ao consumidor a imagem de que o Sistema Unimed garante o atendimento à saúde em todo o território nacional, haja vista a integração existente entre as cooperativas.
"Deve haver responsabilidade solidária entre as cooperativas de trabalho médico que integram a mesma rede de intercâmbio, ainda que possuam personalidades jurídicas e bases geográficas distintas, sobretudo para aquelas que compuseram a cadeia de fornecimento de serviços que foram mal prestados (teoria da aparência)", frisou o ministro.
Fonte: STJ, em 25.04.2021