Previdência Complementar – TJMG reconhece a validade da contratação do plano por pessoa idosa que, ao contratá-lo, tinha intuito de investimento, assumindo os riscos da incerteza quanto à sua rentabilidade
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por meio de acórdão unânime, decidiu que a pessoa idosa que contrata plano de previdência complementar não pode ser presumida como vulnerável frente à entidade de previdência privada e ao banco, sobretudo quando restar comprovado que a contratação do plano tinha o intuito de investimento e que o contratante assumiu os riscos da incerteza quanto à rentabilidade. A Corte também concluiu que “a rentabilidade que não foi satisfatória à cliente, por si só não caracteriza a ilicitude ou invalidade do negócio firmado, mormente considerando que as aplicações financeiras, com mais ou menos risco, sempre apresentam possível oscilação em suas rentabilidades”. O Escritório Santos Bevilaqua Advogados patrocinou a entidade de previdência na demanda promovida pela participante. Atuaram no caso os advogados Juliana Moura e Leonardo Santinho, da Equipe da sócia Keila Manangão.
A autora da ação tinha 63 anos de idade à época da contratação de um plano VGBL, e alegou que teria sido orientada por sua gerente a realizar aporte no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Afirmou, também, que aos 67 anos tentou realizar um resgate, mas descobriu que a data da concessão de sua aposentadoria estava prevista para 99 anos de idade. Acrescentou que somente ao comparecer à uma agência bancária é que teria sido informada da incidência da tributação do valor de R$ 3.683,21 (três mil seiscentos e oitenta e três reais e vinte e um centavos), a título de imposto de renda, no caso de resgate. Com base nessas alegações, ajuizou ação em face da entidade de previdência e do banco no qual realizou a contratação do plano, requerendo a rescisão do contrato e a condenação dos réus na restituição da importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), devidamente atualizada, bem como no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), além dos ônus de sucumbência.
Em sua defesa, a entidade de previdência sustentou que a contratação do plano, realizada em uma agência bancária, foi regular, pois a própria autora admitiu ter sido orientada por sua gerente sobre as opções de investimento, tendo se decidido pela contratação do plano, mediante a realização de uma contribuição única, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Aduziu que a autora assinou a proposta de adesão, na qual estavam claras as condições ajustadas, inclusive em relação à tributação relacionada ao imposto de renda, que advém de imposição legal. Acrescentou que a participante, de livre vontade, tomou a decisão de efetuar o resgate parcial do valor bruto de R$ 10.000,00 (dez mil reais), do que resultou o crédito líquido de R$ 9.288,51 (nove mil duzentos e oitenta e oito reais e cinquenta e um centavos), após o desconto do tributo na fonte. Com base nesses argumentos, sustentou que não havia qualquer ato ilícito que autorizasse a rescisão do contrato, motivo pelo qual requereu a improcedência dos pedidos.
A sentença julgou procedente o pedido inicial para declarar a rescisão do contrato do plano de previdência, com a devolução integral dos valores aportados ao plano, considerados, naturalmente, os já resgatados, com acréscimos legais desde o desembolso. Os réus também foram condenados solidariamente no pagamento das quantias que a autora receberia caso houvesse aplicado seu dinheiro em outro investimento, cujo valor seria apurado em liquidação de sentença. A decisão também condenou os réus, de forma igualmente solidária, no pagamento de danos morais no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), além de custas processuais e os honorários de sucumbência em 10% sobre a condenação.
Ao votar pelo provimento aos recursos de apelação interpostos pelos réus, o Desembargador Fernando Caldeira Brant, relator do caso, entendeu que o fato de a autora se tratar de pessoa idosa, por si só, não induziria à sua “hipervulnerabilidade” frente à entidade de previdência complementar e ao banco, acrescentando que “o fato de se tratar de pessoa idosa não implica em má-fé da instituição financeira que realizada a venda de plano de previdência privada, visto que, a depender do contrato, tais planos, nos dias atuais, funcionam como investimentos a serem ofertados para que os clientes possam aplicar seu dinheiro”. A decisão também reconheceu que “apesar de hoje em dia as movimentações bancárias, inclusive as contratações de investimentos, seguros e outros produtos, ocorrerem muitas vezes via telefone, sítio eletrônico ou aplicativos instalados nos telefones celulares, o que justificaria a inexistência de um contrato assinado fisicamente, o feito em exame trouxe provas, conforme acima exposto, de que, a assinatura do contrato, no caso específico, era formalidade a validar o negócio”. Em razão dessa prova ter sido produzida pela entidade de previdência, a Corte concluiu que ficou comprovado que “o investimento em previdência privada era o pretendido pela requerente, estando lançadas na contratação todas as condições e descontos a serem efetuados”, de modo que o resgate do saldo pela participante deveria ser feito em conformidade com a lei e as cláusulas contratuais.
Com base nesses fundamentos, a 20ª Câmara Cível do TJMG reformou a sentença para julgar improcedentes os pedidos, tendo destacado que “garantir à autora o pagamento do valor considerando-se o investimento mais rentável oferecido à época pela instituição financeira, geraria enriquecimento ilícito à autora em detrimento dos requeridos, além de insegurança jurídica aos contratos de financiamento”. A decisão também enfatizou o fato de que “as aplicações financeiras sempre apresentam riscos e incertezas, quer seja em maior ou menor grau, não se fazendo possível por isso, anular negócio jurídico de investimento, que teve sua contratação válida, apenas porque ao longo do tempo não se mostrou tão rentável quanto o cliente esperava.”
Confira aqui a íntegra do acórdão da Apelação nº 5010183-13.2021.8.24.0018.
Fonte: Santos Bevilaqua Advogados, em 20.06.2023