TJMG afasta a aplicação do CDC a contrato de seguro de penhor rural, reconhece a validade de cláusula limitativa de risco e afirma que a intervenção do Poder Judiciário na autonomia contratual pode ser nociva ao mercado
A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais deu provimento ao recurso de apelação interposto por uma seguradora para afastar a incidência das normas de direito do consumidor a um contrato de seguro de penhor rural, reconhecendo que a cláusula que exclui da cobertura o furto parcial do equipamento agrícola segurado não é abusiva. O tribunal reformou a decisão de primeira instância que havia sido favorável ao segurado e julgou improcedentes os pedidos. Para o tribunal, a intervenção do Poder Judiciário, quando contrária ao que livremente pactuado entre segurado e seguradora pode ser nociva para o mercado. O Escritório Santos Bevilaqua Advogados patrocinou a seguradora na demanda. Atuaram no caso as advogadas Juliana Telles e Bárbara Pereira, especialistas da equipe de seguros rurais da sócia Keila Manangão.
O segurado ajuizou a ação relatando que havia sido vítima de furto do equipamento agrícola segurado e que, após o aviso de sinistro, teve o pagamento da indenização securitária negado sob a justificativa de que a apólice possui uma cláusula expressa que prevê que o furto parcial é risco excluído. O segurado alegou não ter sido informado das cláusulas restritivas de seus direitos. A seguradora, em sua defesa, sustentou que não há relação de consumo entre as partes, já que o seguro de penhor rural foi contratado para garantir obrigação assumida pelo segurado em cédula rural atrelada a crédito para fomento de atividade empresária lucrativa, ligada ao agronegócio, o que afasta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, a sentença aplicou as normas de direito de consumo, declarou abusiva a cláusula contratual limitativa do risco segurado e determinou o pagamento da indenização.
A seguradora interpôs recurso e o TJMG reformou a sentença. Nos termos do voto da Relatora, Desembargadora Lílian Maciel, não deve ser considerado consumidor final aquele que adquire ou goza o produto ou serviço como insumo para o desenvolvimento de atividade lucrativa. Enfatizou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não há relação de consumo entre o produtor rural adquirente de insumos agrícolas e o vendedor destes. De acordo com a decisão, a máquina agrícola objeto do seguro foi utilizada para fomento da atividade econômica do segurado, o que lhe retiraria o caráter de consumidor. O Tribunal também destacou que a apólice de seguro e as condições gerais do contrato continham cláusula expressa com previsão de exclusão de cobertura securitária na hipótese de furto parcial de equipamentos. Nesse contexto, aplicou o princípio de que as partes devem cumprir o que foi contratado (“pacta sunt servanda”) e classificou como puramente civilista a relação entre o segurado e a seguradora, já que ambos possuíam plena capacidade de compreender seu sentido e alcance.
A decisão prestigiou também a mutualidade do contrato de seguro, destacando que o desconhecimento e a inobservância de tal princípio implica o pagamento aleatório de indenizações securitárias, em desrespeito aos riscos previamente delimitados, em prejuízo da coletividade de segurados, responsável pela formação de um fundo comum para a mitigação de riscos. Segundo a Corte, “a intervenção estatal através do Poder Judiciário contra contractus também se afigura extremamente danosa à ordem econômica e ao livre mercado, em especial ao mercado fortemente regulado de seguros privados, gerando insegurança jurídica e aumentando os custos gerais de operação”, acrescentando que “a Lei 13.874/2019, denominada de Lei da Liberdade Econômica, resgatou o conceito liberal de economia para propor relativo afastamento da ingerência do Estado nas relações privadas, com fito de trazer maior segurança jurídica à atividade privada ao implementar nova sistemática de interpretação judicial dos contratos privados”.
Confira o conteúdo do acórdão da Apelação nº 5013666-50.2018.8.13.0701 (Processo TJ:1.0000.22.093426-9/001)
Em março 2023