TJMS admite juntada posterior de proposta de seguro como prova válida da ciência do segurado sobre as cláusulas limitativas existentes no contrato de seguro agrícola
O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, ao julgar demanda envolvendo seguro agrícola, afastou, a unanimidade, requerimento formulado pelo segurado, no sentido de que a proposta de seguro, juntada aos autos pela seguradora após a apresentação da defesa, fosse desconsiderada. De acordo com a decisão, quando se trata de grande instituição securitária, “verifica-se ser razoável e justificável que o acesso a documentos digitalizados (como é o caso dos documentos em que há assinatura física) demande mais tempo, sobretudo quando se considera, ainda, a grande quantidade de documentos e processos judiciais de que participa e, também, a necessidade de interlocução com o escritório de advocacia que o representa”. Neste sentido, e com base no princípio da cooperação e da boa-fé processual, a Corte concluiu que o documento deveria ser admitido como prova, com fundamento no que dispõe o artigo 435, p. único, do Código de Processo Civil.
Além disso, o Tribunal ressaltou que a assinatura do segurado na proposta comprovava o conhecimento do segurado quanto aos termos das cláusulas contratuais, uma vez que dela constavam informações claras e compreensíveis sobre o seguro contratado. A decisão também afastou a hipossuficiência técnica do segurado por entender que “aqueles que se qualificam como agropecuaristas, e, portanto, lidam frequentemente com operações bancárias desse jaez”, concluindo, assim, que estava devidamente comprovada a ciência do segurado sobre o que havia sido contratado. Por esse motivo, também decidiu que não poderiam ser consideradas abusivas as cláusulas limitativas de direito existentes no contrato.
Com base nesses fundamentos, o TJMS negou provimento ao recurso do autor, mantendo a sentença de improcedência proferida em primeira instância. O Escritório Santos Bevilaqua Advogados patrocinou a seguradora na demanda. Atuaram no caso as advogadas Juliana Telles, Bárbara Pereira e Karin Camacho, da Equipe da Sócia Keila Manangão.
A demanda foi ajuizada pelo segurado com o objetivo de afastar a recusa da seguradora em cobrir o sinistro, a qual estava fundamentada no fato de que a área segurada não compreendia a mesma do plantio. Após a demanda ter sido julgada improcedente, o segurado sustentou em suas razões de apelação a incidência do Código de Defesa do Consumidor, principalmente por conta da ausência de informações fornecidas pela seguradora sobre as condições gerais do seguro, bem como que os documentos juntados aos autos, com o intuito de provar a sua ciência acerca das cláusulas limitativas de seus direitos, teriam sido apresentados de forma extemporânea. Por fim, alegou que mesmo que o cultivo tivesse ocorrido no local exato constante na apólice, a lavoura seria assolada pelos eventos climáticos, de modo que o local do plantio não influenciou para as perdas.
A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, sob a relatoria do Desembargador Paulo Alberto de Oliveira, afastou as teses sustentadas pelo segurado, considerando válida a proposta de seguro assinada e o croqui da localização da área de cultivo acostados pela seguradora, em que pese não tenha sido apresentada no mesmo momento da defesa. Isto porque, embora o artigo 434 do CPC defina que o momento processual próprio para a produção de prova documental é, no caso do autor, o da apresentação da petição inicial e, no caso do réu, o momento do oferecimento da contestação, o artigo 435, par. único admite a juntada posterior de documentos que se tornaram acessíveis ou disponíveis após a petição inicial ou a contestação, desde que comprovado o motivo que impediu a parte de juntá-lo anteriormente. Cabe ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o artigo 5º do CPC, que trata da boa-fé objetiva. No caso analisado, a decisão enfatizou que estava justificada a juntada posterior dos documentos pela seguradora, principalmente se considerar a eventual dificuldade de empresas de grande porte, como no caso, em obter acesso em tempo hábil a documentos assinados de próprio punho pelos contratantes. Além disso, o Tribunal entendeu que não seria razoável desprezar a referida documentação, principalmente por não haver prejuízo à parte autora, a quem foi dado o direito de se contrapor à prova documental produzida pela ré durante a instrução processual.
Por fim, no que tange à cobertura securitária e sua abrangência, os Desembargadores verificaram que o plantio foi realizado comprovadamente em área distinta da prevista no contrato de seguro, existindo cláusula expressa de exclusão de risco para culturas implantadas em local diferente do informado na proposta de seguro, uma vez que a seguradora assume riscos pré-determinados, no que se insere a exatidão da localização geográfica da plantação segurada. Quanto a este ponto, o acórdão destacou que “mesmo que assim não fosse, o que interessa, ao fim e ao cabo, é que, independentemente de conjecturas e elocubrações subjetivas, existia previsão contratual estabelecendo a delimitação geográfica para a área de plantio que seria segurada, e cuja cláusula não pode ser afastada por aquelas. Isto, por si só, já basta para afastar qualquer outro tipo de argumentação.”
Confira-se aqui o conteúdo do acórdão da Apelação nº 0829354-97.2018.8.12.0001.
Fonte: Santos Bevilaqua Advogados, em 16.05.2024